Sociedade
04 Novembro de 2020 | 10h11

PROGRAMA DE MASSIFICAÇÃO

Cidadãos tratam Registo de Nascimento por marcação

Desde as primeiras horas do dia, dona Teresa Zangue cumpre uma fila em que estão mais de duas dezenas de pessoas, no posto de Registo Civil da Cidade do Kilamba, em Luanda, onde pretende tratar o registo de nascimento do filho de 12 anos. Este encontra-se impossibilitado, há mais de sete meses, de receber o certificado da 6ª classe, por falta de documentos.

Acompanhada do filho, a senhora dirigiu-se ao posto de registo depois de ter feito a marcação, no mês de Agosto, junto da conservatória. A esperança da mulher e do filho, o quarto dos seis rebentos, é que consigam tratar o documento para resolver a questão do Bilhete de Identidade e do certificado de habilitações, para retomar a formação.

"A nossa luta é que o miúdo volte a estudar. Ele estaria a fazer a 7ª classe. Já anda atrasado. E sem registo de nascimento não trata o bilhete, nem dá prosseguimento aos estudos”, lamenta a mulher, viúva há quase sete anos e vendedora de pequenos negócios pelas ruas de Luanda.

Questionada sobre as razões que a levaram a tardar com o registo do menino, dona Teresa, 48 anos, e residente no bairro Calemba 2, refere que, depois do óbito do marido, as coisas na família ficaram mais apertadas, uma vez que ela se transformou no ‘pai e mãe’ dos filhos.

Em função das dificuldades que atravessa, a mulher revela que o último filho, de 9 anos, aluno da 4ª classe, num colégio privado do bairro, também está sem registo de nascimento. Mas, na próxima semana, "como nos tiraram mais dois dias de venda, por causa do aumento dos casos de coronavírus, vou aproveitar o dia de folga na ‘zunga’ para vir tratar já esse documento”.

A mulher refere que, apesar dos constrangimentos, o surgimento do Programa de Massificação do Registo de Nascimento e Atribuição do Bilhete de Identidade, levado a cabo pelo Executivo, desde Novembro do ano passado, é uma porta para resolver a problemática da falta de documentos de muitas famílias.

"É pena que me percebi tarde que existia esse projecto, porque os meus dois meninos já teriam sido registados e os bilhetes”, desabafa, enquanto se despede do repórter para retomar a fila, onde ocupa a posição 46.

Programa de Massificação e suas metas

O filho de Teresa ainda faz parte de uma lista de nove milhões de angolanos sem registo de nascimento e de outros sete milhões sem Bilhete de Identidade (BI). Mas, com a execução do programa de massificação, de acordo com o seu porta-voz Seretse Correia, esse cenário vai ser invertido consideravelmente até 2022.

Desde Novembro, altura em que foi lançado, o balanço da execução do programa, que tem brigadas móveis apoiadas por postos fixos, anda na ordem dos 16 por cento do ponto de vista da meta dos registos de nascimento e de 12 a 13 por cento no que diz respeito à emissão do BI, pela primeira vez.

Apesar disso, Seretse Correia avança que os números são positivos, apesar dos constrangimentos causados pela Covid-19, que chegou a obrigar a paralisação de actos entre os meses de Março e Maio deste ano.

Considerando o aumento gradual do capital humano e de outros recursos que o programa precisa, o porta-voz assegura que os sinais são favoráveis, principalmente desde Junho, quando arrancou o plano em todas as províncias.

O mês de Setembro foi o mais produtivo, com um total de 276 mil registos de nascimento.

Quanto às províncias, Luanda, a capital do país, é a região que mais tratou quer registos de nascimento, quer bilhetes de identidade, estando em seguida as províncias de Benguela, Cuanza Sul e Huambo.

Para o Registo de Nascimento, a meta é atingir dois milhões de cidadãos durante este ano de 2020. Até Setembro último, o programa abrangeu 1.324.000 indivíduos.

No caso dos bilhetes de identidade, Seretse Correia disse que a pretensão é atribuir esse documento a um milhão de cidadãos até 2020 e sete milhões até 2022. Até ao mês passado, 740.234 pessoas conseguiram ter os seus BI pela primeira vez.

Resultados duplicam em 2021 

O porta-voz considera que 2021 vai marcar o alargamento de todos os meios e a alavancagem do programa, o que significa que haverá um incremento das actuais 251 brigadas móveis de registos. O número de 1.001 brigadistas passará para dois mil, por exemplo.

Com esse alargamento do capital humano, os 250 mil registos de nascimento e os 80 mil bilhetes de identidade tratados mensalmente vão ser redobrados em 2021.

A pretensão é proceder 300 mil registos de nascimento por mês, ao contrário dos actuais 250 mil, e sair dos 80 mil para 120 mil emissões de bilhetes de identidade, pela primeira vez.

Seretse Correia explica que o programa de massificação foi desenhado para três anos de execução, sendo o primeiro para posicionamento estratégico e início da implementação, de Novembro de 2019 a Dezembro de 2020, o segundo para movimento estratégico e ajustes, até Dezembro de 2021, e terceiro ano para duplicação dos resultados até Dezembro de 2022.

Principais constrangimentos

Quanto à relação entre as brigadas móveis e os postos fixos, explica que nos municípios sede e periféricos, o programa trabalha com os postos fixos já existentes, enquanto para as comunas e aldeias mais recônditas, a acção é levada a cabo pelas brigadas móveis.

"Como as brigadas móveis não são serviços institucionalizados, os actos praticados por estas devem ser geridos e arquivados nos postos fixos, onde os cidadãos terão, posteriormente, de acorrer para tirar certidão de nascimento, por exemplo”, esclarece o porta-voz.

Seretse Correia realça que, apesar dos aspectos positivos, o programa enfrenta alguns constrangimentos de ordem social, que impedem uma maior mobilidade, e funcionamento de equipamentos informáticos.

Para os locais de difícil acesso, o programa vai contar com o apoio das Forças Armadas Angolanas (FAA), que vão disponibilizar viaturas mais robustas, e também com uma maior colaboração das autoridades tradicionais na mobilização da população.

Com a época chuvosa, a situação complica-se um pouco, em zonas como o Uíge e as Lundas Norte e Sul, embora garanta que o programa continua a ser executado. "Passamos a mensagem à nossa equipa de que estamos a corrigir uma disfunção social, que tem mantido fora da cidadania milhares de cidadãos, o que não pode ser”, refere.

Seretse Correia reconhece as perdas que o país tem com activos fora da cidadania, uma vez que muitos deles ficam sem formação académica, nem emprego, o que lhes retira a possibilidade de darem o seu melhor contributo para o desenvolvimento do país.

Zonas distantes têm livros inteligentes

Dentro das localidades mais recônditas onde são inexistentes as condições de registo informático, por falta de energia eléctrica e de Internet, implementou-se um instrumento designado o "Choque do livro inteligente”.

Esse mecanismo permite que o registo seja feito num livro, sem precisar de energia ou de um imóvel sofisticado com redes de computadores. O livro em referência, diferente dos outros, traz já, na mesma folha, uma parte com assento de nascimento e outra com a cópia integral. Através da combinação sistema informático e livro inteligente, os custos do programa foram reduzidos.

Até ao momento, o investimento, em termos de movimentação e de logística, está orçado em cerca de 900 milhões de kwanzas, que assegura o registo de nascimento a nove milhões de cidadãos.

Seretse Correia salienta que, além dos investimentos feitos a nível do registo de nascimento, o programa tem necessidade de 250 malas para o BI e de cinco milhões de unidades do material (matéria-prima) usado para a impressão.

O porta-voz reforça ainda a necessidade de se trabalhar para a criação de um centro de digitalização, uma vez que o livro inteligente tem o registo em sistema manual. "Este serviço vai permitir termos uma base de dados, em que colocaremos todos os registos efectuados, integrando já o BI”.

 

"Escudo da triagem” trava estrangeiros

O responsável denuncia que muitos cidadãos estrangeiros, em vários pontos do país, tentam tratar o registo de nascimento e adquirir o Bilhete de Identidade.

Para travar essa tendência, explicou que foi montada uma estratégia denominada "escudo da triagem”, que se baseia em técnicas e perícias próprias para fazer o despiste e identificar eventuais estrangeiros.

A par dos técnicos do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, a estratégia envolve, igualmente, especialistas do Serviço de Migração e Estrangeiro (SME), Polícia Nacional, representantes das administrações locais e das autoridades tradicionais.

"Ninguém passa para o registo efectivo sem que seja submetido ao escudo da triagem”, esclarece e adianta que essa estratégia já permitiu a identificação de muitos cidadãos estrangeiros. 

Para aceder ao programa de massificação, o cidadão passa pelo processo de triagem, no sentido de se aferir as razões do registo tardio, acompanhando-se de atestado de residência ou declaração da comissão de moradores, cópia de BI das testemunhas e uma fotografia.

 

Mais de 40 por cento dos registos são de adultos

Do universo dos nove milhões de cidadãos sem registo de nascimento, mais de 40 por cento dos que solicitam esse documento são adultos.

O porta-voz do Programa de Massificação do Registo de Nascimento e Atribuição do Bilhete de Identidade, Seretse Correia, explica que antes da implementação do programa de massificação, o atraso no tratamento de documentos tinha a ver com o custo. O registo tardio, incluindo o processo do BI, podia andar a volta dos 20.000 kwanzas.

Com a aprovação do Decreto 301/19, de 16 de Outubro, o registo de nascimento e a emissão do Bilhete de Identidade, pela primeira vez, são isentos de qualquer emolumento, o que tem ajudado a quebrar uma barreira de aproximação do cidadão aos postos de tratamento, segundo Seretse Correia.

A distância para alcançar os postos de registo e tratamento de bilhetes era outro factor que desencorajava os cidadãos. 

Outros programas

Nos próximos tempos, o país vai entrar para a normalidade registral, tendo em conta a execução de uma série de subprogramas, que juntamente com o da massificação, têm atribuído a cidadania a milhares de cidadãos.

Entre esses subprogramas, o responsável do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos destaca o "Nascer com o registo”, executado nas maternidades, no sentido de permitir que tão logo a criança nasça tenha o registo de nascimento.

Seretse Correia disse que este programa tem já mais de 80 postos montados nas diversas maternidades do país, pretendendo-se a inclusão das parteiras tradicionais, no sentido de se expandir a estratégia nas zonas mais distantes das sedes municipais ou comunais.