Reportagem
21 Julho de 2021 | 10h07

PROCESSO DE EMISSÃO DE CERTIDÕES DE ÓBITO ANIMA CIDADÃOS

Requerentes de certidões de óbito de vítimas de conflitos políticos, decorridos no país entre 11 de Novembro de 1975 até 1992, elogiaram a decisão do Executivo em levar a cabo o referido processo de atribuição desse documento.

Os familiares de pessoas falecidas em consequência de conflitos políticos aplaudiram igualmente a forma como o processo está a decorrer, desde a organização, atendimento, celeridade às condições de comodidade instaladas no posto de atendimento do Kilamba, em Luanda.

Neste posto, encontrámos dona Argentina Chiumbo, viúva de Roque Dumbo Paiva. Dirigiu-se ao local para tratar da certidão de óbito do marido, falecido, por doença, dentro de uma unidade militar, na localidade de Licua, na província do Cuando Cubango.

Diferente de muitas outras famílias, quando o marido morreu, a 18 de Junho de 1993, dona Argentina ainda teve a sorte de ver o cadáver do ex-companheiro, assim como acompanhou o funeral que se realizou no Cemitério de Licua.

Dona Argentina disse acreditar neste processo e apelou às outras viúvas, órfãos e familiares de pessoas mortas durante os conflitos políticos a fazer o mesmo.

"É um privilégio e uma oportunidade ímpar para que possamos reaver este e uma série de direitos perdidos num momento conturbado da história do país”.

Com a recepção da certidão, que considera um documento valioso, vê uma série de vantagens, principalmente para tratar de outros documentos solicitados, por exemplo, em caso de enlace matrimonial.

 "Queremos agradecer também o Executivo por essa oportunidade, pois, com esse processo está a tirar-nos um grande peso das costas”, referiu.

O próximo passo a ser dado por dona Argentina será a busca, junto das Forças Armadas Angolanas (FAA), de informações para conseguir alguma pensão ou outra regalia por morte, tendo em conta os anos que o marido serviu o exército.

"Desde a morte do meu marido, não beneficiamos nunca de nada. Nem de pensão por morte nem de qualquer outra forma de compensação, por falta de documentos oficiais que comprovassem o falecimento dele”, lamentou a viúva.

Outra situação que dona Argentina quer corrigir tem a ver com o funeral do marido. Para ela, o esposo merecia um enterro mais condigno, mas, naquela época, era impossível conseguir esse feito.

"Queremos reaver os restos mortais e fazer uma cerimónia fúnebre que se adeque à figura que ele representou para nós”.

Com a aquisição da certidão de óbito do marido, dona Argentina acredita que tem maiores possibilidades de ir atrás desses direitos conferidos a si e aos cinco filhos, já todos crescidos.

Outro utente do posto de atendimento do Kilamba é Joaquim Manuel, de 49 anos, que também elogiou a forma como decorre o processo nesse espaço, desde a recepção, medidas de biossegurança, acomodação dos visitantes até à cortesia com que os técnicos tratam os requerentes. 


"Um gesto de se tirar o chapéu”


Joaquim Manuel foi ao posto para requerer a certidão de óbito do pai, morto no conflito armado, na Escola Mártires de Capolo, na província do Bié, em Abril de 1975.

Desde a morte do pai, tentaram tratar uma série de documentos, mas muitos desses processos ficaram pendentes pela ausência da certidão de óbito.

Por várias vezes, já tinham ido ao Comando da Polícia, mas esses davam apenas uma declaração, insuficiente para resolver esses assuntos, como a legalização da casa, deixada pelo pai, em que ele e alguns irmãos ainda vivem.

Sem qualquer benefício pelos feitos do pai na vida militar, Joaquim, ladeado de uma irmã, considerou estarem abertas as portas para a família conseguir dar os passos que andaram pendentes, por ausência de uma certidão de óbito do seu progenitor.

"Vamos agora tratar muitos documentos que andam pendentes, como o documento que certifica que o pai está morto e que nós, seus filhos, podemos passar a casa em nosso nome”.

Sobre o processo, Joaquim apelou às outras famílias para aproveitarem essa grande oportunidade que o Estado angolano está a dar para ser tratada a certidão de óbito.

Para este cidadão, a execução desse processo de emissão de certidões de óbitos de pessoas falecidas em conflitos políticos é um dos pontos mais altos da governação do Executivo do Presidente João Lourenço.

"Na verdade, essa iniciativa presidencial é um acto humanista de tirar o chapéu”, disse Joaquim, que também apelou ao perdão entre os irmãos angolanos, para que o país possa atingir, cada vez mais, o desenvolvimento económico e social. 


Centenas de certidões emitidas


Os processos requeridos por dona Argentina e Joaquim estão a decorrer. Nos próximos dias, eles podem ser comunicados sobre a finalização dos mesmos e receberem as certidões de óbito dos seus entes queridos.

No posto de atendimento do Kilamba, desde a abertura oficial do processo, a 27 de Maio, até ao dia 14 de Julho, foram recebidos 1.543 pedidos, emitidos 455 certificados de óbitos e entregues 376 certidões de óbito aos familiares de vítimas dos conflitos políticos. 

Para atender aos requerentes, o posto conta com 40 técnicos, dos quais pessoal dos cartórios, serviços de saúde (inclusive, apoio do INEMA (Instituto de Emergências Médicas), psicólogos, agentes da segurança e ordem públicas, entre outros profissionais.

Esses técnicos estão agrupados em várias áreas criadas ali no Pavilhão Multiuso do Kilamba, sendo uns a trabalhar na recepção, outros nas áreas de preenchimento, de pesquisa (com uma base de dados do requerido), cadastramento, processamento e no cartório.

É esse pessoal que tem envidado esforços para atender às solicitações dos utentes que não apresentam documento algum do familiar requerido. Esta situação foi considerada uma das maiores dificuldades para os técnicos dos cartórios.

Outro constrangimento está no facto de um número considerável de requerentes não saber ler, nem escrever. E, quando aparecem ao posto sozinhos e sem documentos comprovativos do requerido (falecido), os técnicos são obrigados a preencher o formulário, o que impede a rapidez no atendimento.

"Quando registámos processos que levantem dúvidas, nós encaminhamos o dossier para a sede da Comissão de Averiguação e Certificação de Óbitos das Vítimas dos Conflitos Políticos, no sentido de se apurarem as declarações dos requerentes”, explicou um técnico. 

Além dessa questão da falta de documentos comprovativos, a localização do posto de atendimento, por se estar distante da zona de residência de muitos utentes é também apontado como um constrangimento, embora haja um autocarro para distribuir os requerentes que saiam de localidades distantes, como Viana e Cacuaco.

Durante o momento da realização deste trabalho, a equipa de reportagem constatou que os utentes, logo à entrada, têm direito a uma máscara facial, depois da higienização das mãos, e uma garrafa de água purificada.

Depois disso, o requerente é acompanhado por um técnico de saúde, com quem tem um diálogo breve, antes de medir a pressão arterial e temperatura corporal.

Posteriormente, vai para a área de recepção, onde lhe é explicado detalhadamente como deve preencher o formulário e os passos subsequentes. Por qualquer indisposição na hora, dada à natureza do processo, os psicólogos entram em acção juntamente com o pessoal do INEMA.